Acidente de trabalho: A culpa da vítima x contexto influenciador
Na análise do acidente de trabalho é preciso entender o contexto influenciador para fugir da armadilha de “simplificar as coisas”.
Quando um acidente de trabalho acontece é comum que ele seja investigado, até aí tudo bem. O problema é que na maioria dos casos “o acidente é creditado ao trabalhador” sem a mínima análise do ambiente e do contexto que o cerca.
NO HOSPITAL…
A enfermeira furou o dedo com agulha contaminada logo após aplicar medicamento em paciente. Ela estava terminando o trabalho, ainda com a seringa na mão, uma colega a chamou, ela olhou para a colega e furou o próprio dedo… E na investigação como medida preventiva o SESMT descreve que a trabalhadora deve prestar mais atenção na tarefa…
NA INDÚSTRIA…
O trabalhador da limpeza (paramentado para fazer limpeza) estava passando perto de um caminhão no qual trabalhadores estavam descarregando alguns materiais. Os trabalhadores solicitaram a ajuda dele na tarefa, bem intencionado, ele ajuda os colegas.
No depósito ele coloca uma das peças na prateleira e a peça rola. Caindo em cima do pé dele. Muita dor. O SESMT na investigação diz que a medida para evitar acidentes parecidos é treinamento sobre proteção dos pés…
REFLEXÕES
São apenas dois exemplos reais que mostram um problema óbvio, em caso de acidente de trabalho, o trabalhador quase sempre é visto como o problema a ser consertado, enquanto o sistema de trabalho é visto como confiável!
O acidente de trabalho é quase sempre creditado ao trabalhador, o SESMT e a CIPA sequer analisam o contexto da tarefa e o contexto influenciador.
Quando atribuímos o erro ao trabalhador é perdida a possibilidade de aprender com o evento.
“Quando o acidente acontece temos duas opções, culpar e punir ou aprender e melhorar”.
Todd Conklin
Eu sei que é tentador concluir a análise mais rapidamente e sem mergulhar no contexto da tarefa e no contexto influenciador, mas isso é injusto com o trabalhador, e mantém a cultura de segurança estagnada, sem melhoria.
MAS O QUE OBSERVAR NO CONTEXTO?
Vale a pena repetir, na maioria dos casos o trabalhador erra porque o sistema o conduz ao erro.
Alguns exemplos de ambiente induz o trabalhador ao erro, ao acidente, a falha:
- Metas inalcançáveis: O normal seria fabricar 300 peças por mês, mas nesse mês precisamos fabricar 470. Para chegar lá teremos que fazer muitas horas extras…
- Pressão por produção: O normal seria fabricar 300 peças por mês, mas nesse mês precisamos fabricar 370.
- Equipe com tamanho insuficiente: O trabalho requer normalmente seis pessoas, mas duas estão doentes.
- EPI desconfortável:
- Equipamento ou máquina inadequada: O equipamento necessário para o trabalho não está disponível ou o equipamento errado foi enviado para o local.
- Ausência de bons exemplos dos colegas e líderes: Se o meu líder não utiliza os EPIs é porque isso não deve ser importante.
- Ambiente que valoriza o fazer rápido sem se preocupar em “como” a entrega foi feita:
- Ambiente onde quem faz o certo vira chacota para os demais:
- Ambiente em que o herói (o machão, o que não utiliza o EPI, o que nunca pede ajuda) é valorizado:
- Ambiente em que por razões estruturais é impossível seguir o que o check list, a PET ou a APR: por exemplo, estrutura física do espaço confinado comprometida, falta do medidor de gases, etc.
- Ausência de liberdade para falar sobre riscos, acidentes, erros, etc.:
- Produto químico novo, com formulação desconhecida pelo trabalhador: Sem conhecer o risco ele não sabe nem qual é o EPI adequado para a tarefa.
NA ANÁLISE DO ACIDENTE NÃO BASTA BOA VONTADE
Fuja da segurança binária do tipo ato inseguro x condição insegura, erro humano x trabalho seguro, percebeu o risco x falta de percepção de risco.
Existe bem mais do que certo e errado na equação entre o trabalhador e ambiente de trabalho. A relação está muito longe de ser apenas branco ou preto!
Nem sempre basta a boa vontade do trabalhador para haver comportamento seguro. As vezes a violação é obrigatória porque o preço de fazer seguro é muito alto!
Infelizmente é comum a própria cultura organizacional jogar contra a segurança do trabalho e o SESMT nem sequer perceber isso…
COMO LEVAR EM CONTA O CONTEXTO INFLUENCIADOR NA ANÁLISE DE ACIDENTE?
Separe a investigação (a coleta de dados) da análise de acidente (análise dos dados).
Comece investigando, coletando dados, entrevistando pessoas, buscando e juntando informações. Quanto mais dados de qualidade você tiver coletado tanto melhor será.
Seja criterioso. Pode ser necessário voltar a campo para validar hipóteses e ir mais fundo na análise ou mesmo na investigação, invista tempo nessa etapa.
A empresa precisa aprender em três frentes, quais foram às “condições ambientais” que podem ter contribuído para o acidente, o que no nosso “sistema de gestão” pode ter contribuído para o acidente ocorrer, e se há “elementos humanos” envolvidos no acidente.
A tendência geral é procurar mais os elementos humanos para culpar pessoas, e deixar de lado as outras duas barreiras.
Se quiser aprofundar um pouco mais nesse assunto, sugiro que baixe o livro “O Acidente e a Organização”. O livro apresenta acidentes de trabalho e os fatores contribuintes aos acidentes. É sem dúvida um dos melhores livros sobre o tema.
Na análise do acidente entender os fatores que contribuíram para o acidente ocorrer é mais importante do que encontrar alguém para culpar. Se você quer utilizar a análise de acidente para melhoria sua análise de acidente deve ser do tipo CENIPA (entender os fatores contribuintes) e não do tipo polícia (encontrar o culpado).
Posso te dar uma tarefinha? Reflita sobre essa ideia de análise do acidente de trabalho x contexto influenciador, e faça uma análise das suas últimas análises de acidente. As descobertas podem te levar a refletir, e se for o caso, melhorar bastante.
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