O problema com as famosas Regras de Ouro
Nesse artigo comentamos os problemas com as famosas regras de ouro. É uma reflexão desapaixonada sobre esse item que é, de certa forma, controverso.
Se você gosta das regras de ouro, peço que suspenda o julgamento ao ler esse artigo, pois isso te permitirá refletir mais abertamente e desapaixonadamente sobre esse tema.
Há quem diga que são invioláveis e incorruptíveis! Algumas empresas dizem que seu cumprimento é condição necessária para atuar na empresa…
O QUE SÃO REGRAS DE OURO?
Basicamente as regras de ouro coloca algumas regras para serem mais importantes do que outras. Normalmente são utilizadas em atividades de risco elevado. Normalmente não cumprir as regras de ouro leva a punição.
Será que faz sentido colocar algumas regras (como as de ouro) como “super regras”? Já que as regras de ouro não podem ser quebradas, isso quer dizer que as outras podem?
Alguns exemplos de regras de ouro:
EXEMPLOS:
- Espaço confinado: nunca permitir trabalho sozinho num espaço confinado e sem treinamento, autorização, permissão de entrada e EPI apropriado.
- Permissão para trabalhos de risco: Nunca entre sem autorização em áreas de produção, de rejeitos, salas elétricas/subestações ou qualquer outra área restrita.
- Ferramentas e equipamentos: nunca permitir o uso de ferramentas, máquinas e equipamentos improvisados ou defeituosos para executar um trabalho.
- Nunca utilizar ar comprimido para se limpar.
O PROBLEMA DA IMPOSSIBILIDADE DE PREVER TUDO
Um dos problemas com as ditas “Regras de Ouro” é sua inflexibilidade. Quando a gente coloca uma regra inegociável, a princípio parece muito bom, porém, não é possível prever com exatidão tudo o que ocorrerá no ambiente de trabalho, ou seja, tudo o que será aplicável no contexto de uso da regra.
Quem derá se tudo o que ocorre no trabalho dependesse da vontade do trabalhador…
Pessoas podem, inclusive, até morrer seguindo regras de ouro! Isso ficou bem claro no acidente da plataforma Piper Alpha.
O PROBLEMA DO DESENGAJAMENTO
Outro dos problemas é que as regras de ouro tiram do trabalhador a capacidade de julgar por conta própria, é como se ele não tivesse a capacidade de julgar se a regra é aplicável no contexto daquele dia de trabalho ou não, e então caímos em duas armadilhas, o “desengajamento” (pessoas robotizadas) não são engajadas, e a segunda armadilha a gente até já falou, a “impossibilidade de prever tudo” e garantir que a “Regra de Ouro” sempre garantirá a segurança de todos, em qualquer cenário possível.
Então o trabalhador é inteligente o suficiente para operar um equipamento caríssimo, mas não para decidir sobre a utilização de uma regra?
SE A AMEAÇA A VIDA NÃO FOI SUFICIENTE, UMA REGRA SERÁ?
Bem intencionadas, sem dúvidas, estas regras geralmente se baseiam nas atividades mais prováveis de causar acidentes fatais.
Me parece excessivamente simplista de acreditar, que as pessoas vão parar de fazer algo fatal, porque há uma regra no lugar. Se a ameaça à vida não foi suficiente para impedi-lo, é uma ameaça de advertência, suspenção ou demissão que será?
AS REGRAS É QUE SÃO DE OURO, E NÃO AS PESSOAS?
Como muitos sistemas burocráticos ao longo tempo, as regras se tornam mais importantes do aquilo eles pretendiam proteger.
O colega Robero Roche conta em seu blog dos relatos interessantes:
“Uma vez testemunhei alguém ser punido por não ter cumprido com uma regra de usar o cinto de segurança (o colaborador estava manobrando o carro), mas estava nas regras de ouro.
Como já assisti pessoas fumando em áreas classificadas, mas como não estava mencionada nas regras podia?”
As pessoas respondem melhor quando cuidadas para fazer o que se pede. E isso pode ser feito até com uma boa explicação e conversa. Elas gostam de saber o porquê de cada coisa.
E ENTÃO, PRECISAMOS DE REGRAS EM TUDO?
É razoável esperar que os colaboradores tomem decisões com base em uma avaliação de risco detalhada das circunstâncias do trabalho. Nestes casos as regras podem ser inúteis para fornecer uma solução.
Regras são mais benéficas quando todas as informações são desconhecidas e as pessoas não podem tomar decisões fundamentadas a respeito do risco. Se o trabalhador já conhece a situação é bem mais provável que o contexto de trabalho é que determine se a regra será ou não cumprida.
REGRA ABRANGENTE DIFICILMENTE SERÁ CUMPRIDA
Quem é um manual de regras está apto a lidar com máquinas e não com pessoas.
Quanto mais abrangente a regra, por exemplo, “Use sempre o cinto de segurança”, ou “Nunca utilize telefone celular ou outro equipamento que desvie sua atenção em áreas operacionais não autorizadas, escadas ou atravessar ruas”, o mais provável é ser visto como inadequado em algumas circunstâncias, e, portanto, opcionais…
Outro problema é impor regras sem se avaliar se são realmente aplicáveis ao contexto de trabalho, pois em alguns casos de tornam Violações obrigatórias em segurança do trabalho.
Violação obrigatória ocorre quando devido ao contexto de trabalho é impossível cumprir a regra. Exemplos:
- A empresa proíbe um fumante de fumar dentro da empresa. E também não há fumódromo, e nem permite que o trabalhador se ausente para fumar. Será mesmo que o trabalhador não encontrará um cantinho para fumar escondido?
- Empresa que obriga o trabalhador a utilizar cinto de segurança ancorado no trabalho em altura, mas não lhe proporciona o ponto de ancoragem. Chances são de que ele até vestirá o cinto, mas não irá alcorar em nada…
- Empresa exige condições para que o trabalhado entre no espaço confinado (medição de gases, estrutura física segura, cinto, ausência de água e equipamentos elétricos juntos), mas não lhe dá essas condições para a execução do trabalho. Dependendo da pressão para a realização da tarefa, o trabalhador mentirá na PET (Permissão de Entrada e Trabalho), e entrará assim mesmo!
- Empresa que exige medição de gases para entrada em espaço confinado, mas a empresa só tem um medidor que quebrou, e o SESMT não tem autonomia para comprar. O que você acha que acontecerá?
A maioria de nós não cumpre (integralmente) o limite de velocidade, porque sabemos que não é realista em todas situações. Operacionalmente, os colaboradores precisam de “simplicidade fornecida pelas regras”. Que tal termos equilíbrio entre os dois?
Como sempre, não há preto e branco, certo ou errado em segurança. Impor regras onde o risco é elevado, é de extrema importância: mas será mesmo que vale a pena colocar algumas regras acima das outras?
O maior juiz de seus atos deve ser você mesmo e não a sociedade. Aprenda as regras e quebre algumas.
Impor regras para situações específicas onde uma tomada de decisão local é difícil pode ser importante, o problema é o exagero. Será mesmo que precisamos de 10 regras de ouro?
Acredito ser bem melhor ensinar e estimular o certo. Mas evitando qualquer regra inflexível no trabalho. Até porque dificilmente conseguiremos fiscalizar adequadamente o cumprimento das “super regras”.
As regras de ouro (super regras) podem até surtir um efeito inesperado, podem se tornar algo que se faz apenas na presença do profissional de segurança. Quebrar a regra então acaba sendo “o segredinho da galera do operacional”.
As pessoas não são um problema a ser controlado! Elas são autônomas, sabem se cuidar sozinhas, só precisam de orientação (que pode ser dada em treinamentos) e de alguém que as ajude a acertar, alguém que periodicamente esteja com elas em algum momento na operação. De preferência que seja alguém para ouvir muito, ajudar mais, e falar pouco!
Use a inteligência coletiva dos trabalhadores, entreviste-os para criar poucas regras, mas regras realistas, dado o contexto de trabalho. Acreditar que basta colocar regras de ouro para o sistema funcionar me parece um tanto descolado da realidade.
Mas e você, o que pensa sobre tudo isso?
Programa de Comportamento Seguro.
Avaliação de maturidade da cultura de segurança.
Coaching para uma Liderança Eficaz em Segurança.